top of page

Além da tendência

Atualizado: 8 de jan. de 2021

Indústria da moda se reinventa, fiscaliza e adota consumo consciente em suas práticas

Somos o que vestimos. O designer de moda alemão, Karl Lagerfeld, também citou isso ao dizer que “moda é uma linguagem que se cria em roupas para interpretar a realidade”.A moda não é utilizada apenas para esconder um corpo, na verdade, sua função se transformou como uma forma de expressão social. Se antigamente tínhamos os tecidos como um grande separador de classes sociais, hoje, temos as diferentes texturas como uma forma de experimentação tátil-visual diferente, quando mais único e mais inovador, mais pessoal a moda se torna.


O reconhecimento da realidade a partir da auto-expressão, no entanto, não era algo tão comum assim, podemos dizer que o ponto de virada para todo o conceito moda ocorreu na Revolução Industrial. Assim como outros meios de produção, a indústria têxtil, que até então era artesanal, passou a ser explorada de uma maneira que não seria necessário apenas uma agulha ou linha para criar novas peças.


No entanto, se temos um movimento de sair e voltar a ficar em alta, nada é realmente novo. Atualmente, há um conceito de alterar peças que já marcaram épocas em uma estranha amálgama atemporal, mas temos também uma ideia que se faz presente nessa era pós Revolução Industrial: o desenvolvimento sustentável. Uma questão que ronda as principais indústrias mundiais é como seguir com a produção e, ainda assim, pensar em maneiras que o meio ambiente não sofra tanto com isso. A moda sustentável nasce a partir da necessidade. E como a produção de uma peça pode poluir menos o ambiente? A partir dessa indagação, temos um novo movimento tomando conta das passarelas e redes sociais.


Os impactos fora das passarelas

No documentário francês “The True Cost”, do diretor Andrew Morgan, que em tradução livre significa O verdadeiro Custo, somos expostos a como a indústria da moda, e a indústria têxtil de um modo geral, consegue influenciar mais do que as cores de uma estação.


Durante toda a duração do documentário, somos apresentados a histórias de costureiras em Dhaka, Bangladesh. O foco no entanto vai muito além da produção, de uma forma didática, o diretor mostra todo o ciclo de um algodão plantado no Texas até sua transformação em uma peça pronta.


Todavia, não estamos falando de uma exploração controlada, muito menos de situações de trabalho dignas, tudo isso por conta de algo que o sistema econômico atual demanda de todos os meios de produção.

Quem costura a sua roupa?


Parte do processo de sustentabilidade na moda passa pela costura de roupas, mas não é comum se questionar quem costurou a peça de roupa que você está usando. Por mais que a Fashion Revolution ─ movimento criado em 2013 com o objetivo de conscientizar as pessoas sobre a origem de suas roupas ─ esteja chamando mais a atenção das pessoas sobre o processo de produção de um produto, há muito consumidor que ainda não tem o entendimento sobre essa discussão.


Géssika Reis já foi costureira da Drastosa S/A Indústrias Têxteis, que há 40 anos, produz peças de roupas e outros produtos para marcas esportivas mundialmente conhecidas, como Adidas, Puma, Crocs, entre outros. Géssika atuou costurando bonés para a Nike e conta que havia uma linha de produção, onde cada costureira fazia uma parte da peça.


A ex-costureira descreve o espaço onde trabalhava dizendo que era um galpão grande, porém as máquinas de costura eram umas próximas às outras, mesmo assim, ela conta que o lugar era confortável para que cada uma pudesse produzir durante 8 horas de trabalho, de segunda a sábado, com pausa de 1 hora para o almoço e 15 minutos para o café da manhã.


Infelizmente, o caso de Géssika não é uma realidade no mundo da moda. Muitas indústrias não oferecem o mesmo conforto às costureiras para produção. Outras fábricas na área da moda já foram muito criticadas pela precariedade no espaço, pelo tempo de trabalho e até por trabalho escravo.


Segundo a pesquisa The Global Slavery Index 2018, da Fundação Free Walk ─ organização internacional de direitos humanos que tem como uma das pautas o combate ao trabalho escravo ─ a moda é o segundo setor que mais explora o trabalho forçado no mundo, ficando atrás apenas da área de tecnologia. Isso é facilitado graças a falta de fiscalização nas indústrias têxteis.


Como forma de combater a exploração na área da moda no Brasil, o aplicativo para consumo consciente “Moda Livre” avalia e monitora as ações das empresas para evitar o trabalho escravo. Desenvolvido pela organização jornalística Repórter Brasil, em 2013, o programa tem um questionário padrão enviado para as marcas, as respostas geram um sistema de pontuação classificando as empresas. O objetivo é fiscalizar as condições de trabalho das confecções a partir de quatro indicadores: políticas, monitoramento e histórico.


Falta de transparência na produção


O termo ‘greenwashing’ ─ ou, traduzindo para o português: ‘lavagem verde’ ou ‘pintando de verde’ ─ é uma expressão dada a uma propaganda enganosa das grandes empresas da moda em relação a defesa do meio ambiente. Algumas empresas divulgam, através de campanhas publicitárias, discursos de que estão ligadas à ações sustentáveis ou ecologicamente corretas, porém fazem tudo ao contrário enquanto produz seus produtos.

Em uma matéria publicada pela Business of Fashion (BOF) ─ uma plataforma que discute sobre os principais assuntos no mundo da moda em escala global ─ foi questionado sobre a ética das marcas que usam um marketing social como uma ferramenta para “conquistar” mais clientes.


A plataforma conta sobre a marca dinamarquesa Carcel, que empregou 30 mulheres encarceradas no Peru e na Tailândia para costurarem peças de roupa para a empresa. A marca, a princípio, foi elogiada por muitos pelo modelo adotado em dar mais visibilidade à essas prisioneiras. Entretanto, recebeu diversas críticas por conta do salário dado à elas: por cada peça costurada, a pessoa recebia cerca de 13 dólares, sendo que a loja vendia esses produtos a aproximadamente 400 dólares.


Ao falar de ética de consumo, é importante ressaltar o modo que consumimos todas as coisas ao nosso redor, desde propagandas na televisão até peças de roupa. A youtuber Karina Belarmino, que, em seu canal, aborda temas como moda e minimalismo, explica que as pessoas, hoje em dia, questionam mais sobre a ética das marcas antes de consumir e que embora isso parta de uma parcela privilegiada da população, é um processo de conscientização que envolverá todos em algum momento.


Para a jornalista que atuou na Vogue, Mayara Lobato, nos dias de hoje, essa preocupação é uma pauta, mas não em larga escala. Para ela, maior parte das pessoas tende a deixar de lado as explorações que acontecem no mundo da moda, mesmo tendo consciência delas, quando uma promoção aparece. Apesar disso, ela acredita que são ferramentas do capitalismo já muito bem implantadas e enraizadas em todos nós.


Logicamente, temos a publicidade ligada essencialmente ao consumo. Mayara explica que a atividade, mesmo tendo uma parcela de responsabilidade em fazer com que as pessoas comprem mais, ela faz parte de todo um sistema capitalista que se baseia neste consumismo. “Ela é peça fundamental desse sistema, mas não dá para colocá-lo no papel de a grande vilã, como muita gente faz”, explica.


A produção na agricultura usa e abusa de diversos agrotóxicos para modificar o ciclo natural do algodão, a fim de suportar a demanda. E isso, infelizmente, tornou a qualidade das peças duvidosa.


Karina conta que o abuso tem início nos campos, onde além da exploração natural, existe a exploração da mão de obra. “Com base em pesquisas, as indústrias tomam atitudes para a diminuição do impacto ambiental quando é obrigatório pela legislação vigente, e hoje temos pouquíssimas leis nesse sentido”, diz.


No Brasil, o país que mais usa agrotóxicos no mundo, não há leis que defendam diretamente o produtor agrícola. A lei Nº 7.802/89 tem como um de seus objetivos a inspeção e fiscalização de agrotóxicos. No 3º artigo, parágrafo 4, diz que se alguma organização internacional pela saúde alertar dos riscos dos agrotóxicos, caberá “a autoridade competente para tomar imediatas providências”.


“Aqui mesmo no Brasil existe muita exploração, inclusive infantil, no mercado de moda. E não adianta uma oficina ser legalizada, a exploração começa no campo, nas plantações de algodão, e na fábrica, na produção de tecidos sintéticos”, completa Karina.



ree


Do luxo ao lixo


Para a fabricação de roupas não é necessária apenas o ciclo natural do algodão, afinal, o mundo moderno trouxe consigo a possibilidade dos tecidos sintéticos. Um dos materiais mais utilizados para a fabricação de roupas em grande escala é o poliéster, que não passa de uma derivação do plástico.


Com uma decomposição de cerca de 200 anos, o poliéster é uma das principais causas da contaminação ambiental da indústria têxtil. De acordo com o site Instituto Claro, uma roupa que contém poliéster, libera microplásticos durante a sua lavagem, ou seja, de alguma forma esse material volta para a natureza.

Porém, estamos então em um impasse: trabalhadores sem condições de trabalho e uma indústria que parece não parar tão cedo assim, como nós consumidores podemos combater a fast fashion, modelo adotado pelas empresas da moda em que observam o que a pessoa está consumindo, para que então, possam fabricar peças em grande quantidade, porém com materiais de baixa qualidade, que são descartadas mais cedo.


Para Karina, não há uma forma de concreta de combater a fast fashion, porém o boicote a marca também não é uma opção, uma vez que nem todas as pessoas têm condições financeiras que comprar em lojas de slow fashion ─ uma forma mais sustentável de consumo no mundo da moda ─ onde calças podem custar por volta de R$ 400.


A solução dada por Karina é que compremos aquilo que realmente estamos precisando. Ela, por exemplo, afirmou ainda consumir de lojas que praticam o fast fashion, mas têm a consciência de “todas as mazelas que elas carregam”, como o trabalho escravo.


Com isso, marcas populares tentam se adequar aos poucos à uma moda mais sustentável, como a C&A. De acordo com o Ellen Macarthur Foundation, a marca está produzindo camisetas com a ideia de Berço a Berço, tirando o costume de um descarte rápido das roupas, mas sim passando para outras gerações. Nessas peças, são utilizados algodão até mesmo em suas costuras e, corantes não-tóxicos na fabricação das camisetas e, nas calças jeans, o botão pode ser desparafusado manualmente, fazendo assim o descarte correto dos materiais.

Novo ou usado?


Hoje temos uma maior popularização de sites ou contas no Instagram, de pessoas querendo desapegar de suas antigas roupas, seja porque não serve mais, ou ocupa espaço, ou porque seu estilo de se vestir mudou.


Geralmente, temos duas opções quando percebemos que as roupas que tínhamos antes já não faz mais sentido com que somos agora. A primeira delas é comprar roupas novas, já a segunda é comprar roupas em brechós.


Para Mayara, esse crescimento dos brechós online é algo interessante, pois a ideia que a maioria vende é de um consumo consciente, ou seja, ao invés de comprar um produto novo, as pessoas compram um já usado, mas ainda em excelentes condições. Ela também defende que mesmo as roupas sendo mais baratas, isso não estimula o consumismo.


Em plataformas como o Enjoei, é possível que você venda suas roupas ou qualquer objeto que você queira desapegar, mas, quando falamos de roupas existem plataformas específicas, como é o caso da Roupateca.


A Roupateca é um guarda-roupa compartilhado que você pode pegar roupas quinzenalmente ou mensalmente, variando o número de peças, os planos apresentados pela empresa vai desde R$48 a R$450 mensais. Uma das condições é que você lave e passe a peça antes de entregá-la para ser usado por outro cliente.

Mas comprar através de brechós não é o única solução dada por Karina Belarmino. “Em vez de comprar um vestido para usar numa única ocasião, podemos usar a opção de ‘emprestar’ essa peça e depois devolver, sem acumular nada [...] além, é claro, do maior benefício de todos: não gerar demanda no mercado”.


A influenciadora digital Caroline Rector por exemplo, mostra através de seu blog UnFancy que consegue sobreviver apenas com 37 peças de roupa. Sendo assim, com poucos produtos, não perde tanto tempo em busca de algo para vestir além de fazer sua parte, mesmo que pequena, no quesito consumo de moda.


Mercado nacional


No Brasil, grandes marcas que focam nessa nova tendência da moda. Para Mayara, há vários exemplos de marcas que vêm se destacando por aqui. Entre elas, estão a Adô Ateliê e a Escudero & Co., “ambas são de produtos feitos de couro, ou seja, levam em conta a questão da matéria-prima e da cadeira produtiva regulada”. Mayara ainda acrescenta mais alguns nomes: Superfluous, Insecta Shoes e a Damyller, que, segundo ela, se diferenciam das outras pelo fato de serem empresas maiores, tendo lojas no Brasil inteiro, mas que têm controle amplo de sua cadeia produtiva e, também, da origem das matérias-primas que utilizam, além de utilizarem uma linha de peças ‘eco’ ─ materiais sustentáveis.


O movimento de reutilização está em alta não apenas para roupas mas também para commodities como absorventes. A marca brasileira Pantys fabrica calcinhas absorventes, feitas de fibras naturais e de um tecido reutilizável fazendo com que essas peças reduzam cerca de quatro quilos de lixo.

Então, é possível enxergar o movimento sustentável que cresce cada vez mais na questão da produção de roupas e acessórios por parte das marcas, uma vez que tentam diminuir os impactos ambientais.

Matéria produzida com Rabech Oliveira e Mariana Bertaco.

Comentários


bottom of page